A discussão sobre as consequências da pandemia de COVID-19 tem sido acompanhada, também, de um forte debate sobre o exacerbamento de desigualdades estruturais no Brasil e no mundo. Enquanto a rápida disseminação da doença e o grande número de mortes demonstra que o vírus em si não discrimina quem será infectado, diferentes grupos sociais têm sofrido de forma diversa as consequências da pandemia. Mais especificamente, marcadores de gênero, raça e classe se apresentam como condicionantes de vulnerabilidade para a infecção e enfrentamento da COVID-19 (ESTRELA et al., 2020). A título de exemplo, o Brasil concentra 77% das mortes de grávidas por complicações relacionadas à doença (TAKEMOTO et al., 2020), sendo a taxa de óbito entre as mulheres negras (17%) superior à das mulheres brancas (8,1%). Para além das questões que envolvem a saúde reprodutiva, as desigualdades de gênero são observadas em outras esferas como no trabalho, renda, saúde mental e violência doméstica. Por exemplo, os dados sobre a taxa de desocupação que, no terceiro trimestre de 2020 esteve em 14.6% no total, sendo 12,8% de homens e 16,8% de mulheres segundo o IBGE – PNAD Contínua (2020). Ao considerar as mulheres desempregadas no período do segundo trimestre, observamos que 58% delas são negras (Gênero e Número, 2020).
As mulheres em geral, e as mulheres negras em particular, são protagonistas para manutenção dos serviços essenciais – como saúde, educação, assistência social etc. – em contextos emergenciais (WENHAM et al. 2020). Na linha de frente, as questões de gênero moldam as experiências das mulheres, considerando que elas são maioria no setor e que desempenham, historicamente, o trabalho do cuidado (HIRATA, 2016; BIROLI, 2018; OMS, 2020a). A “feminização” da profissão de saúde – em especial de profissionais da enfermagem e agentes comunitários de saúde – pode ser vista como uma extensão da divisão sexual do trabalho…
Lotta, G., Fernandez, M., Magri, G., de Campos Mello, C. A., Tavares, D. D. L. C., Haddad, J. P., … & Pimenta, D. N. (2020). A pandemia de COVID-19 e (os) as profissionais de saúde pública: uma perspectiva de gênero e raça sobre a linha de frente.