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“Água é vida”: a luta de mulheres quilombolas pelo acesso à água em meio à pandemia da Covid-19 no Brasil

Polyana Valente & Brunah Schall

O Vale do Jequitinhonha, está localizado na região nordeste de Minas Gerais e se divide em Baixo, Alto e Médio Jequitinhonha. Devido à negligência dos setores públicos e privados e as condições climáticas desfavoráveis, é conhecido de forma equivocada como Vale da Pobreza. Marcado pela vegetação de cerrado em transição com a caatinga, exibe muitas belezas rústicas e áridas, a população retribui em calor e simpatia. A culinária farta, o artesanato, os “causos”, as danças e cantorias, revelam um rico Jequitinhonha.

O Jequitinhonha é uma das regiões do Brasil com maior número de comunidades quilombolas reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares Esse número expressivo está associado ao crescimento das cidades vizinhas do Serro e Diamantina, no século XVIII, no chamado ciclo do ouro mineiro. Em busca de uma nova vida e livre, a população escravizada deslocou-se para o Vale do Jequitinhonha, formando quilombos. Fugindo dos colonizadores, os quilombos se formaram em regiões de difícil acesso em grotas e chapadas. Protegidos, criaram um ambiente de troca de conhecimentos, agricultura de sustento e manutenção de suas manifestações culturais. O que antes os protegia, hoje os coloca distante dos acessos básicos, como saúde, água, saneamento básico e emprego.

Em outubro de 2020, em meio a pandemia de Covid-19, tivemos a oportunidade de conhecer algumas comunidades quilombolas da região, uma em especial nos chamou a atenção, sobretudo, pelas dificuldades encontradas para ter acesso à água. Um histórico de mais de 30 anos de luta e negociação com o poder público. A Comunidade Quilombola Córrego do Narciso do Meio, localizada a 25km da cidade de Araçuaí, maior município do Jequitinhonha.  Com aproximadamente 400 pessoas, a comunidade é constituída por um povo alegre e acolhedor que sonha em ver a água escorrer pelas torneiras de suas casas. Suas moradas simples em alvenaria ou pau a pique, são cuidadosamente coloridas de branco, verde e rosa. Nos grandes quintais, muitas plantas, as criações e belos fornos de barro.

As agendas e as decisões sobre a comunidade são protagonizadas pela Associação dos Moradores do Córrego do Narciso, um espaço de tensões, disputas, trocas, esperança e de construção da identidade quilombola. Na condução da associação e no cotidiano da comunidade destaca-se a atuação das mulheres. São elas que agitam a comunidade sobre seus direitos e deveres, que dialogam com o poder público e cuidam de suas casas. Mulheres fortes, cheias de histórias sobre o trabalho duro na roça, de diferentes experiências na migração em busca de oportunidades de emprego e sobrevivência. As mulheres que ficam no quilombo além do trabalho doméstico, trabalham na produção de farinha de mandioca e do fumo e ficam responsáveis pelas festividades, que em função da pandemia estão interrompidas.

Desde o nosso primeiro contato com a comunidade o tema central é a escassez de água. A água de suas casas é oriunda de reservatórios, chamados de “terreirão” que captam a água da chuva. Com a longa estiagem, essa água quase nunca é suficiente para todo o ano e por isso precisam recorrer aos caminhões pipa. Quando o caminhão pipa demora a chegar na comunidade, as mulheres contam que buscam água na cabeça. Caminham por 2km até chegar na Barragem Calhauzinho

Além da escassez de água, outra dificuldade latente é o acesso aos serviços de saúde. A Unidade Básica de Saúde fica a aproximadamente 5km de distância (estrada de terra) da comunidade. Para piorar a situação não há transporte público disponível. A comunidade paga um ônibus num valor alto e precisa controlar o tempo já que o ônibus sai uma vez ao dia pela manhã e tem hora para retornar à comunidade. A saúde bucal é sem dúvida, uma das maiores queixas da população local.

Pensando nesse cenário, de carência e muitas reivindicações no acesso à água e aos serviços de saúde e os inúmeros desafios que envolvem essas questões temos procurado construir uma ponte de diálogo entre diferentes secretarias da prefeitura, com destaque para a Saúde, Educação, Agricultura e Obras e Desenvolvimento Urbano. Esse diálogo tem rendido resultados profícuos, os quais destacamos a previsão por parte da prefeitura da chegada de água até a escola da comunidade, com atendimento gradativo a todas as casas da comunidade, a construção de banheiros secos nas famílias que ainda não possuem banheiros em suas casas. Além da construção de um centro de atendimento à saúde dentro da comunidade. Enquanto a construção não é viabilizada os atendimentos serão realizados em uma casa alugada pela prefeitura dentro da comunidade. Em agosto de 2021, inclusive foi realizado uma triagem odontológica nas crianças.

Nosso desejo é que a comunidade cresça cada vez mais, que jorre água das torneiras, pois como dizem por lá “água é vida e vejam só a que altura já chegamos”? Há muitas alturas pela frente e “passarinho com medo não voa”.


[1] Vinculada ao Ministério da Cidadania a Fundação Cultural Palmares, foi criada em 1988 e é a instituição federal brasileira responsável pela promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. Desde 2003 a Fundação é responsável pela emissão de certidão às comunidades quilombolas. Para mais informações veja o website: http://www.palmares.gov.br/

[2] A represa foi construída no início dos anos 1990, no curso do Córrego do Calhauzinho com o objetivo de controlar a quantidade de água, não deixando-o secar e para evitar enchentes.

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